4.5.09

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1 comentário:

  1. UM DIA…
    Disseram-me que iria morrer muito velhinha. Foi quando decidi aprender a contar histórias: de encantar e desencantar, de fazer rir e chorar… contos que se acrescentam a pontos…tudo o que pudesse comover filhos, netos e bisnetos, adiando, por 1001 noites, a minha ida para um lar – esse lugar onde as pessoas vão deixando de saber quem são, até que o deixem de ser, definitivamente.

    O soprar das minhas 110 primaveras será notícia de enternecer corações, no jornal nacional, da TVI: "A mulher mais velha de Portugal, da Península Ibérica e, quiçá, do Porto…" (acho que a Manuela Moura Guedes já não estará cá para apresentar, ou não seria eu a mulher mais velha…).

    Não terei feito, anteriormente, nada de notório, nada de extra-ordinário, que merecesse, sequer, uma página de folhetim da junta de freguesia (nem todos vivemos para realizar grandes feitos. É igualmente importante haver quem os testemunhe. Possivelmente, até, mais importante...)

    Dizia eu que não terei feito nada de glorioso...Apenas viver…prolongadamente…enquanto for capaz de fazer contas de somar: + 1 dia, + 1 dia, mais UM DIA…terei aprendido, a tempo, este segredo: os dias somam-se, não se subtraem…

    Olhando-me, com expressões de bombocas de morango, estarão Catarininha, Tiaguinho, Rogerzinho…fascinados com as minhas rugas, ansiosos por me verem pegar, por debaixo de um cobertor de flanela ao xadrez, naquele álbum, que sempre trago comigo, cheio de fotografias mágicas, tiradas pela Sara, que contam, por si mesmas, belas histórias dos nossos amigos-lendas…

    Eu estarei agarrando (com toda a força que uns velhos braços podem ter, já sem elasticidade, depois de terem abraçado tanta gente, para depois soltarem) todas as recordações possíveis…Já terei perdido muitas lembranças para o buraco negro da minha inconsciência…

    UM DIA…
    Restar-me-á, somente, uma memória…fazendo-me balançar entre o ser e o não-ser, o existir e o nada…
    Nesse dia, saberei, por fim, qual foi o sentido da minha vida. Soar-me-á na mente, agora solitária e vazia, a lindíssima e enigmática frase de Alcmeon:

    "Os homens têm que morrer, porque não são capazes de associar novamente o final ao começo".

    Não há "final feliz" para quem não sabe contar histórias…

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