24.6.08

retrato breve dos meus amigos, no pátio, caso entrasse uma rapariga boa como o milho e, inadvertidamente, se sentasse à nossa mesa

nelson: olá nina.
cláudio: deuses, quem é esta?
isabel: estás fixola, como te chamas, minha?
luís: olá, boa noite, minha senhora.
valter: olá pedro, estás bom?
susana: bisoux, bisoux.
quito: se for para fumar, passa para o outro lado da mesa. baza.
bruno: que boas mamas.

22.6.08

a grande isabel é que está certa

Realpolitik, de Luís Filipe Cristóvão, vencedor concurso Arte Jovem 2008 da Câmara de Torres Vedras

I
Este poema é uma introdução à teoria geral dos sonhos numa cama
de casal onde dormem duas pessoas. É um ringue de hóquei em patins,
uma casa de praia onde se esqueceu um casaco que tanta falta nos faz
no início do Inverno. É um bilhete postal, uma encomenda esquecida.
É o aquecimento central do centro de saúde do concelho de Torres Vedras,
um livro que ficou perdido entre o pedido de uma criança ao Pai Natal
e a memória de um homem que tem muito em que pensar. A data deste
poema não existe –
é um poema de todos os dias a passar no calendário automático do nosso
computador pessoal, a ranhura onde deitamos moedas de cinquenta cêntimos
no parque de estacionamento municipal, o dia em que nos pediram para
nos apresentarmos no Quartel da Ajuda para servir, militarmente, o país.
O poema é daí, desse mesmo lugar onde talvez já nos tenhamos esquecido
de que a vida é mesmo assim, feita de torrentes de palavras a povoarem-nos
o cérebro e a boca, com pequenos intervalos em que nos deixamos adormecer
em frente a uma página de publicidade publicada num jornal nacional.

II
Estava capaz de escrever uma carta aos Coríntios esta manhã, ainda não
tinha saído da cama e a rádio estava ligada na Antena Um, as notícias do dia
anunciavam um ministro a fazer contas aos cêntimos que cada pensionista
pode receber por mês a somar à sua pensão, de maneira a que não se descontrole
na posse exagerada de umas moedas pretas levantadas na última semana
do mês numa estação de correios sobrelotada com livros e conjuntos de canecas
com design made in bairro alto. Estava capaz de comprar, e logo em seguida
comer, uma dúzia de gelados Olá e depois ir correr durante uma hora em volta
do relvado do jardim onde anunciam, para breve, a construcção de um
aglomerado habitacional com preocupações ambientais e última geração
no que à tecnologia pode dizer respeito a forma como cada um gosta de estender
as pernas sobre a mesa de apoio na sala da televisão ou sobre o gozo que me dá
sentir o chão frio da casa-de-banho quando acordo a meio da noite e vou urinar
o que parece ter restado de impurezas no interior indigesto do meu corpo.
Estava capaz de diversas coisas no preciso momento em que, à saída da pastelaria,
um homem deitou uma ponta de cigarro ao chão e este poema começou a nascer.

III
Naquele tempo eu costumava passar várias horas na biblioteca municipal e entre
as prateleiras encontrei muitas vezes pequenos recados escritos por outros frequentadores
em que estes pretendiam ter lido determinado livro enquanto algum familiar anotava,
nos limites das páginas, as compras a efectuar no hipermercado que fica nos limites
da cidade ou o horário da ida ao oftalmologista que dá consultas numa clínica privada
substancialmente subvencionada ora pela ausência de oferta da parte do estado ora
por manifesta impossibilidade de atender um cliente em tempo útil de vida (significando
aqui “tempo útil de vida” aquele momento na vida de alguém em que esse alguém está
doente até ao retomar daquele outro estado em que esse mesmo alguém deixa de estar
doente). Naquele tempo eu já era capaz de identificar as várias cores das etiquetas
identificativas das temáticas, bem como percorrer mentalmente, desde a porta de entrada
até à prateleira certa, o caminho que alguém deveria fazer para encontrar o livro ou
tipo de livro que procurava e irritava-me muitas vezes por haver outros frequentadores
dessa biblioteca que pareciam ser mais rápidos do que eu a terminar o seu almoço e assim
se exibiam em algumas das mesas de leitura, usurpando o jornal desportivo por muito mais
tempo do que aquele que parece ser o tempo regulamentar de leitura do mesmo.

IV
Procurei sempre estar à parte naquilo que diziam ser os encontros amigáveis
entre os consumidores de produtos culturais, principalmente nas horas em que procuravam
eleger, de entre os participantes, alguns nomes que pudessem compôr a Comissão
Administrativa dessa sociedade para o biénio seguinte -
sentia-me pouco sociável e preferia passar a maior parte dos meus dias recostado
a um cadeirão velho em frente ao computador onde tentava estabelecer alguns contactos
com as regiões do mundo mais inacessíveis, de modo a ser possível ter uma vida cheia
sem correr o risco de alguém nos vir bater à porta para pedir um raminho de salsa ou
a convidar-nos para um jantar de aniversário no restaurante chinês em conjunto com mais de
uma dezena de pessoas, usando para o efeito mesas redondas com prateleira giratória ao meio
e uma sensação de náusea crescente perante as conversas inócuas que as pessoas mais
mesquinhas costumam transportar consigo para festejos como este. Procurei estar à parte
e o que posso concluir é que falhei, falhei de uma forma que só aqueles que insistem
na repetição de actos idiotas podem falhar. Desde que me foi possível ver ao espelho, sei
de fonte segura o exacto tamanho do meu falhanço. E então verificou-se um surpreendente
aumento de peso, durante uma noite, de tal forma que quando nasceu o sol, nada me servia.

V
Na estrada para a Babilónia havia um ramal onde, todos os dias, centenas de operários
pareciam descansar de todas as maleitas do mundo, como dores de costas provocadas pelo
transporte de pesos sobre-humanos, ossos partidos por colchões sem molas, dentes
cariados devido a greves de cozinheiros de cantinas de fábricas, bolhas nos pés por
causa dos infindáveis jogos de futebol e outras competições internas da organização
de trabalhadores afectados pelos males do mundo. Ao passar por lá, senti-me de certa
forma atraído pelas suas queixas e lamentos e sentei-me a descascar uma maçã que alguém
me disse ter sido colhida do jardim onde Eva conversou sobre a novela das sete com uma
serpente. Deus deve odiar telenovelas – pensava para com os seus botões um operário de
óculos graduados. Na estrada para a Babilónia havia um outro ramal onde aprendizes de
bibliotecários aprendiam a tabuada em jeito de fórmula de codificação bibliográfica e
habituavam-se a conhecer conceitos por intermédio de conjugações numéricas cruzadas
com cores de uma paleta desprezada por vários aspirantes a pintores oficiais do regime.
Esses aprendizes de bibliotecários viriam, mais tarde, a tomar as rédeas da cidade e a tentar,
por intermédio das mais hediondas práticas, transformar toda a população em caracteres
organizados por números e cores. Perante isto, a intervenção dos Estados Unidos era inevitável.

VI
Até que chegou a hora de alguns dos nossos partirem Europa fora a fazer figura de gente
já que por cá não faziam melhor que figura de parvo, e as populações desceram às ruas
e começaram a aplaudir a caravana, que enquanto não chegou a Elvas era composta por
todo o tipo de gente, presidentes de junta de freguesia, membros suplentes das listas
de candidatos às assembleias municipais, jovens militantes empunhando bandeiras, amigos
e familiares nada próximos dessa gentalha, criados de servir e funcionários do estado, vários
tipos de representantes de empresas multinacionais com interesses em pequenas parcelas
de terrenos que, por artes de mágica imprevistas, acabam por originar grandes urbanizações
ao serviço dos vários eleitos pelo povo. À passagem por Badajoz, já o cortejo se fazia de taxi
com um elemento da Guardia Civil à frente, por mero acaso de cruzamento de destinos
entre o almoço desse senhor e a fuga dos nossos. Até que chegou a hora em que aqueles que
ficaram, não já na ocidental praia lusitana, mas naquela terra de ninguém com vista para
Espanha, voltassem para trás e às costas carregassem inúmeros cestos de fruta normalizada,
jornais emprestados para embrulhar relógios contrafaccionados em Marrocos, uma fotografia
a cores do Rei de Espanha em pose de estado, um memorandum da secreta americana sobre
o comportamento dos nossos aquando da Conferência das Lajes e um treinador para o Benfica.

VII
Não sei, nem nunca saberei, contar sílabas pelos dedos ou perceber os sons do ritmo que
um verso clássico esconde. Tenho dúvidas na distinção de um verso com um fado alexandrino.
Recorro demasiadas vezes a repetições de ideias, talvez da mesma forma como no meu país
tudo é sempre da mesma maneira. Revelo dificuldades na dicção de palavras acentuadas
e quase nunca intervenho em sessões onde não me possa inscrever previamente. Não sigo
os canones. Não sigo a banda. Não fico na ponte a atirar pedras para aqueles que aceleram
na auto-estrada. Tenho algum gozo no descobrir de estradas secundárias. Vejo mal de noite.
Vejo mal de dia. Sem óculos, não vejo nada. Não sei, nem nunca saberei, muita coisa acerca
daquilo que não me interessa. Não sou curioso, não tenho a pretensão de mandar em ninguém.
Fujo o quanto posso de quem me queira colar etiquetas. De quem me queira rotular a existência,
a palavra, o poema, a preferência por determinado café na hora em que saio de casa depois
de jantar. Este poema é uma maneira de o dizer em jeito de metáfora, em jeito de poema.
Em jeito de palavra que não sei como controlar. Em jeito de conjugação de frases em forma
de versos e versos em forma de caminhos que parecem querer chegar a algum lugar. Em jeito
de algo que não se pode calar. Este poema é uma introdução à teoria do nunca teorizar sobre
aquilo em que se está demasiado afundado. Como eu, aqui. Eu, eu próprio. Nesta vida.


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visitar o luís, e ver a formatação mais correcta deste poema, aqui

20.6.08

isabel de sá - para se lembrarem que é amanhã às 18h30 que ela está na fund. eugénio de andrade

«Fui à rua buscar a morte que andava desaustinada pelas paredes como cão raivoso. Ofereci-lhe o braço, trouxe-a comigo, fi-la minha amante. Num leito de linho nos deitámos e em segredo me falou dias seguidos sobre a sua infância, a solidão debaixo da terra, o amor pela natureza. Explicou-me como acariciava os bichos comedores de cadáveres e dessa alegria maliciosa.

A morte passou a ter para mim muita importância. Comecei a vesti-la de alvas roupas, coser-lhe flores ao crânio, amando-lhe a face lívida, iniciando-a numa sensualidade sem fim.

Então, numa manhã a Morte sorriu mostrando nos lábios o seu carácter perfeito, isento de mesquinhez; beijou-me a boca, as pernas, o coração. Perturbou-me.

No meu interior países fervilhavam, milhões de rostos se viraram à luz:

tudo era claro como nunca sucedera.

Começara outra vida: dera-se a iluminação.»


do livro Esquizo Frenia

19.6.08

filipa leal - o problema de ser norte


efeito borboleta


no da literatura pré-publica-se o novo livro do josé mário silva, e no blogue do autor prepara-se um segundo concurso, a acontecer amanhã, em que se oferecem cinco exemplares do livro. a capa é belíssima, o conteúdo promete

gilbert & george na cama de lorca

18.6.08

nelson d'aires


atenção ao regresso do nelson d'aires ao seu blogue e, sobretudo, à disponibilização das suas magníficas fotografias para venda (estas premiadas pela fnac - o artista depois viria a ganhar o prémio de foto-reportagem visão/bes).

isabel de sá na fundação eugénio de andrade, este sábado

entre os mais preciosos patrimónios da poesia portuguesa encontra-se a obra de isabel de sá.

a autora, manifestamente discreta na vida tanto quanto contundente na poesia, é raramente encontrada em eventos de leitura e conversa pública.

a sua passagem pelo ciclo «encontros com poetas do porto II», no sábado dia 21, às 18h30, é imperdível.

a entrada é livre

bogdan zwir


cavaleiro das artes e das letras

há coisas que nos emocionam, e ver um amigo ser distinguido com o título de cavaleiro das artes e das letras pelo estado francês é nada menos do que emocionante.
o manuel alberto valente, grande editor, poeta muito escondido, e dinamizador (lança-chamas) do mundo dos livros e dos escritores, será assim homenageado. escolhido para tal coisa com a ministra da cultura christine albanel à cabeça, o manuel vê reconhecido o seu grande mérito, recebendo um pouco do muito que nos tem dado a todos.
este é um dia feliz para a cultura portuguesa. um dia particularmente feliz para a porto editora, que soube convidar este profissional para os seus quadros para muitos mais anos de grandes livros.

parabéns manuel, excelentíssimo senhor cavaleiro

ainda há quem case

os novos vizinhos casaram de fresco e juntaram, aqui mesmo ao lado, os haveres. diziam-me que era uma sorte isto do ikea porque puseram quarto e sala por um valor tão ridículo que até apetecia comprar mais.
o mais engraçado foi quando vieram de lua de mel e a cama cedeu na primeira noite e, azaradamente, uma das pernas da mesa da sala entortou e o jarrão verde da zara home caiu na tijoleira partindo-se.
mais logo, os dois pombos vão chilrear ao ikea para perguntar se há garantia para o primeiro dia de uso, ou se pagar menos implica comer, calar e começar a entristecer num momento em que tudo devia ser alegria e poleiro

11.6.08

a partir de julho, à venda


«maria da graça – mulher-a-dias em bragança esquecida do mundo – tem a ambição, não tão secreta como isso, de morrer de amor; e por essa razão sonha recorrentemente com a entrada no paraíso, onde vai à procura do senhor ferreira, seu antigo patrão, que, apesar de sovina e abusador, lhe falou de goya, rilke, bergman ou mozart como homens que impressionaram o próprio deus. mas às portas do céu acotovelam-se mercadores de souvenirs em brigas constantes e são pedro não faz mais do que a enxotar dali a cada visita.

tal como maria da graça, todas as personagens deste livro buscam o seu paraíso; e, aflitas com a esperança, ou esperança nenhuma, de um dia serem felizes, acham que a felicidade vale qualquer risco, nem que seja para as lançar alegremente no abismo.

o apocalipse dos trabalhadores é um retrato do nosso tempo, feito da precariedade e dessa esperança difícil. um retrato desenhado através de duas mulheres-a-dias, um reformado e um jovem ucraniano que reflectem sobre os caminhos sinuosos do engenho e da vontade humana num portugal com cada vez mais imigrantes e sobre a forma como isso parece perturbar a sociedade.»

na contracapa do livro

6.6.08



«the weather project» de olafur eliasson na tate modern, em 2003, e eu não estive lá

eu tinha onze anos e esta mulher é que era

4.6.08

china

sou todo a favor de todos os povos, mas o governo chinês está mesmo a precisar que os jogos olímpicos sejam a maior barracada da história. o papel da china nos direitos humanos é nojento e como nojento deve ser tratado. as condições para que um adepto possa entrar no país para assistir aos jogos são nazis. por mim, é preciso boicotar todo o emudecimento forçado. abaixo o governo da china e os jogos olímpicos feitos à luz de um regime desumano.
encontram aqui um artigo do new york times sobre o assunto

3.6.08

hermínio monteiro, sete anos

e reparo agora que, exactamente no dia em que dou conta do blogue da assírio, passam sete anos desde o desaparecimento do hermínio monteiro que imaginou grande parte daquele sonho e que nos fará sempre muita falta

baby dee, diva. vou passar o dia inteiro a ouvi-la cantar

assírio & alvim tem blogue

a editora assírio & alvim, responsável desde há décadas pelas mais importantes e cuidadas edições de poesia em portugal (e não só de poesia), chegou aos blogues. para acompanhar livros de autores como ruy belo, fiama hasse pais brandão, armando silva carvalho, al berto, josé agostinho baptista, antónio franco alexandre, manuel de freitas, jorge sousa braga, mário cesariny, alexandre o'neil, antónio maria lisboa, josé bento, herberto helder, teixeira de pascoais, etc etc.
a ligação fica aqui

cinemateca porto

depois do desaparecimento do cineclube do porto, e depois da eliminação de quase todas as salas de cinema onde se podiam ver obras sem dinheiros americanos (entenda-se moralismos americanos), é importante lutar pelo estabelecimento no porto de um pólo da cinemateca que, de facto, não pode e não tem razão para ser um dinamizador exclusivo do universo cinematográfico lisboeta. por mais cristalizada que esteja a direcção daquela instituição, é preciso entender a necessidade que, entretanto, a sua acção passou a ter. por causa dessa deserção e pela persistente vontade de se auferir de uma oferta de qualidade, a petição que está para ser assinada online é uma boa ideia para se começar a fazer sentir a quem de direito o quanto este passo deve ser dado.
a ligação para lá irem deixar o vosso nome encontram-na aqui

2.6.08

myspace

definitivamente não consigo alterar competentemente o meu perfil no myspace. não me consigo livrar daquela cor do fundo, não consigo mudar a cor das caixas ou das letras usadas. apenas chego às imagens e à versão ou inversão dos lados em que as coisas ficam.
por mais alterações que aplique, mesmo utilizando layouts já feitos, por um segundo, na abertura da página, vejo a nova versão, mas logo se impõe a velha, como se houvesse ali um vírus ou uma maldição qualquer que me obrigasse novamente a recuar.
estou mesmo arreliado

mário vitória


tricky - council estate

o tricky é um dos génios que a música dos anos noventa fez surgir, e saber que estamos à porta do lançamento de um novo álbum deixa-me ansioso. a primeira amostra, este «council estate», é excelente. mais uma vez, inventa um som para tirar os pés do chão feito da mais electrizante energia, com um certo tom negro e alucinado que caracteriza o seu trabalho e que eu adoro