20.6.08

isabel de sá - para se lembrarem que é amanhã às 18h30 que ela está na fund. eugénio de andrade

«Fui à rua buscar a morte que andava desaustinada pelas paredes como cão raivoso. Ofereci-lhe o braço, trouxe-a comigo, fi-la minha amante. Num leito de linho nos deitámos e em segredo me falou dias seguidos sobre a sua infância, a solidão debaixo da terra, o amor pela natureza. Explicou-me como acariciava os bichos comedores de cadáveres e dessa alegria maliciosa.

A morte passou a ter para mim muita importância. Comecei a vesti-la de alvas roupas, coser-lhe flores ao crânio, amando-lhe a face lívida, iniciando-a numa sensualidade sem fim.

Então, numa manhã a Morte sorriu mostrando nos lábios o seu carácter perfeito, isento de mesquinhez; beijou-me a boca, as pernas, o coração. Perturbou-me.

No meu interior países fervilhavam, milhões de rostos se viraram à luz:

tudo era claro como nunca sucedera.

Começara outra vida: dera-se a iluminação.»


do livro Esquizo Frenia

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