27.2.08

este é o texto do hugo loureiro sobre a exposição teorema de valter no museu nogueira da silva, braga

Nota prévia em jeito de glossário:
artistar | v. t. executar a actividade de um artista/criador/autor.

Um artista convida outro a artistar num período definido de tempo e a apresentar resíduos do seu corpo artista (em estado de ‘artistamento’) recolhidos nesse período. São apresentadas a proposta do primeiro – Paulo Brandão –, o produto artístico do segundo – valter hugo mãe – e os resíduos do corpo deste, como provas de que se artistou.
De uma forma simplificada, é com esta instalação que o espectador se depara ao confrontar-se com ‘O Teorema de valter’. Mas Paulo Brandão deixa vestígios nesta obra de questões bem mais intrincadas.
Começo pelo tempo. A criação de um qualquer objecto artístico tem sempre um tempo. Bastante indefinido no seu início. Tangencialmente definido no seu fim. O tempo de quem cria. O tempo de quem vê. O tempo em que a obra existe enquanto ideia. O tempo em que a obra existe enquanto materialização da sua ideia. O tempo em que a obra passa a existir como registo de si mesma (apenas algumas o fazem). O tempo em que a obra passa a existir como reflexo das obras que existem no seu tempo (a poucas se permite tanto).
A ciência (não nos esqueçamos que a proposta que enquadra esta instalação é um olhar ‘da sociedade’ sobre a ciência e os cientistas) conseguirá provar que os resíduos são do valter (a nós resta-nos acreditar). Conseguirá provar que os resíduos foram recolhidos no tempo compreendido entre o convite para criar um texto e a fixação material do mesmo. E, utopicamente, conseguirá num futuro longínquo (em que a arte se reflecte num factor genético qualquer passível de ser quantificado, qualificado e classificado) provar a existência desse texto em latência a partir das provas corporais apresentadas (a nós resta-nos não considerar esta possibilidade demasiado ridícula).
Conseguirão a arte ou a ciência, um dia, definir claramente qual o tempo de uma obra? Definir um nascimento e um óbito?
Há também a questão da existência da arte antes da sua materialização (assumo aqui que a arte é o somatório dos períodos em que é ainda uma ideia e em que já é uma obra materializada). Conseguirá um criador provar que a obra que cria é a materialização da enunciação que fez dela ao iniciar o processo de ‘artistamento’? Ou deverá delegar esta responsabilidade à ciência, com os seus métodos, ferramentas e objectivos?
Poderá ser uma relação de dois sentidos, ao considerarmos que um cientista, ao interpretar, descodificar e avaliar os seus objectos de estudo, necessitará igualmente de artistar de modo a poder reunir as informações disponíveis, criar as informações ocultas, interpretar este conjunto e dar-lhe um sentido (escrevo isto e apercebo-me que qualquer espectador se pode identificar com este cientista). Conseguirá, então, um cientista provar que o objecto que estuda é a materialização da enunciação dele ao iniciar o processo científico?
Sente-se ainda o derradeiro desafio, latente na enunciação do autor deste teorema: estaremos perante um artista se a obra existir apenas nele e nós tivermos o acesso a ela negado? Competirá aí à ciência provar (ou não) a existência da obra apesar da sua não materialização.
HUGO LOUREIRO

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