17.2.08

hoje no jornal de notícias lê-se esta entrevista que me fez a helena silva

1. lançou um desafio a vários artistas plásticos para lhe fazerem um retrato. puro exercício egocêntrico?

juro que não.


2. em janeiro do ano passado, a capa do seu livro de poesia “pornografia erudita” é também um exercício artístico, com um nu de nelson d’aires. esse nível de exposição dá-lhe prazer?

a pergunta não é explícita quanto ao facto de ser eu o retratado e estar nu, frontal, na capa do livro; e isso é o que as pessoas vão gostar de saber. não me sinto exposto. se me der prazer é por ser uma fotografia de qualidade do nelson e eu ter podido proporcioná-la de alguma forma.


3. explicou que era uma forma de ilustrar a violência com que havia sido confrontada a sua vida pessoal. sujeita ao juízo do outro, não pode a exposição da nudez ser ela própria uma violência ou está apenas sobrestimada?

ao juízo do outro? mas o que há para ajuizar? sou um homem, tenho dois braços, duas pernas, cabeça, tronco e uma pila ao dependuro. já não há muita filosofia acerca disto.


4. é leitor de fernando pessoa. há em si também vários “eu”? por exemplo, há alguma coisa em si de baltazar serapião, ou tudo em si é bom e limpo?

todos somos feitos de energias positivas e negativas. somos até dotados de paradoxo. só assim podemos ter a esperança de não sermos chatos. e o baltazar também tem coisas boas, por exemplo, sente um amor infinito.


5. é por isso que cultiva amigos imaginários?

os meus amigos imaginários são, conscientemente, imaginários. tenho pena de nunca ter tido daqueles verdadeiros que os miúdos por vezes inventam. desses é que eu queria.


6. o que conta, nesse paralelo, a amália, lars von trier, david lynch, óscar wilde?

sou um deslumbrado por pessoas e não podia deixar de deslumbrar-me por quem parece andar palmos acima dos outros mortais. alguns criadores quase tornam desnecessária a existência de deus. a billie holiday, por si só, vale uma religião inteira.


7. por que razão os seus amigos imaginários vivos não são reais?

quê?


8. em 1999 aceitou o desafio de jorge reis-sá para integrar a quasi edições, por lhe parecer uma ideia “doida”. tem predilecção pelo que não é lúcido?

não. não bebo álcool, não fumo, não uso drogas. sou um homem muito lúcido e assim me preservo. por isso, talvez, me fascine por quem me proponha algo que, à primeira vista, parece fora do meu alcance. gosto de ser desafiado, se houver no desafio um sonho honesto. o sonho do jorge era muito real.


9. o “casamento” acabou em 2004, tendo saído em conflito com reis-sá a quem dedicou um poema chamado “no funeral do reis-sá”. vinga-se sempre de quem o desilude?

quem lhe disse que saí em conflito com o jorge? saí, e escrevi uma carta linda que mandei a muitas dezenas de pessoas, incluindo jornalistas, dizendo o quanto a quasi havia sido importante para mim e que chegara o momento de pensar em outras coisas. «o funeral do jorge reis-sá» é um poema de saudade, nunca de desprezo. e hoje continuo amigo dele, talvez mais do que ele próprio imagina.


10. as editoras não parecem ser o seu lado mais bem sucedido. a “objecto cardíaco” morreu de enfarte?

as quasi edições foram mesmo criadas por mim e pelo jorge enquanto projecto profissional. durante os primeiros 4 anos decidi – com ele, claro – linhas fundamentais para o sucesso daquela marca. muitos dos seus autores de sucesso foram escolhidos e «trabalhados» por mim. dizer que não tive sucesso como editor é pura maldade. a objecto cardíaco morreu atropelada no trânsito. sabe como são as estradas de portugal.


11. lida bem com os fiascos?

estou vivo. ainda não tive o grande fiasco da minha vida, acredite. há sempre a possibilidade de falhar melhor. até lá vou indo muito bem.


12. e com os elogios? josé saramago comparou-o a um tsunami. revê-se nessa espécie de “onda abrupta criativa”?

sou um bocado agitado mas, como é mais por dentro, compreendo que custe a crer. mas sou um bocado abrupto, sim. também lho juro, se for preciso.


13. na escola, as suas redacções já faziam adivinhar o futuro?
acho que não. não dava erros. era bem comportado. muito discreto. os professores de português não reparavam em mim. hoje, eu lembro-me de alguns, mas eles conhecem-me como autor e não imaginam que me tiveram como aluno. às vezes acho isso frustrante, raios os partam.


14. ainda gostava de ser igual a adolfo luxúria canibal. porquê?

vou querer sempre ser como ele, porque é um artista excepcional que se faz a partir de um homem de incrível valor humano. queria muito ser um excelente artista sem nunca deixar de ser profundamente cumpridor dos princípios mais humanistas.


15. têm, pelo menos, em comum o curso de direito. imaginar-se-ia a exercer a profissão ou só trocaria mesmo arte por arte?

odeio o exercício do direito. adorei fazer o curso. se me deixarem ganhar a vida com a arte fico-lhes muito agradecido e acredito que, esporadicamente, serei feliz.


16. é verdade que a sua recordação mais nítida do 25 de abril de 1974 é a criança loura que nunca tinha visto?

sim. um rapaz que dizia: «eu cá vou brincar para ali; eu cá estou cansado». nunca mais me esqueci disto.


17. e da convulsão real desse dia, que recordação tem?

da minha mãe a segurar-me de encontro ao peito e de acharmos que uma bala nos mataria. fomos para o carro e o meu pai conduziu para um lugar onde as pessoas estavam felizes. mas disso, infelizmente, já não me lembro.


18. às vezes “é como se deus existisse e quisesse que eu acreditasse nele”,

escreveu. a fé, para si, é uma luz intermitente?

é. quando estou muito zangado, não tenho fé e digo coisas muito feias.


19. é o que o salva ou o que o faz querer salvar alguém?

não. o que me salva sou eu e a minha família e os meus amigos e muitos desconhecidos que, acredito, enviam energias positivas para o universo. adorava acreditar que salvo alguém mais. gosto das pessoas. quero que elas sejam felizes, com fé ou sem fé.

5 comentários:

  1. Não post


    Serralves, Miguel Bombarda, Theatro Circo, Velha-a-Branca, Auditório Municipal de Vila do Conde, Correntes d'Escritas - são alguns dos lugares onde uma professora de Português e de Francês se pode cruzar com um antigo aluno. Às vezes, acha frustantes, raios os partam, os proto-literatos que agora nem sequer a reconhecem. De outras vezes, as mais frequentes, acha graça. Lembra-se do fervor com que lhe vieram perguntar se era ela, se era mesmo ela, que lia aquelas crónicas aos microfones de uma rádio pirata.
    Por que haveria uma tímida empedernida de invocar esse seu questionável estatuto - sobretudo se sempre se sentiu insegura acerca desses dois primeiros anos de serviço?! Apenas um post (assaz críptico por sinal) lançado por uma co-blogger denunciou as angústias que desde então a afligiram. A ideia era: pois se foi seu aluno justamente nessa altura e não lhe travou o passo, então...
    Por que haveria alguém (que foi professor de mais dois ou três mil alunos) de invocar um longínquo relacionamento a alguém que nunca deu sinal de reconhecer um dos (?) oito professores de Português que teve na vida?
    Bem vistas as coisas, esta ausência de conspicuidade poupa muitos constrangimentos e muita conversa de circunstância...
    IPC

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  2. é curioso, não estou a ver quem. e não perguntei a ninguém sobre crónicas em rádios pirata. não entendi muito ao certo o que diz. e com iniciais apenas não vou lá. coisa que não corresponde na mesma medida a minha assinatura perfeitamente assumida.
    não tive oito professores de português. tive menos. 2 no ciclo preparatório, 1 no primeiro e segundo anos do liceu, 1 no terceiro ano do liceu, e 1 no quarto, quinto e sexto anos do liceu. dá 5 professores de português. não é muito. e parece-me lembrar-me de todos. ou então não. também é sempre possível.

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  3. com tantos a mandar más energias, felizmente ainda há quem as mande muito positivas, apesar de minorias, acredito que têm a força de nos salvar neste caos instalado.gostei das tuas respostas.beijinhos magui

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  4. Vá, IPC, já teve o denodo para intervir e reivindicar-se, dispa agora todo o véu. Imagino-lhe uma nudez assombrosamente bela. Contenho síncopes cardíacas só de a representar. De pálpebras descidas ou subidas, não vejo outras imagens.
    I de Isabel? Inês? Qual é essa sua graça?
    Gostei de a ler e gostei da estranheza (abençoada, fartos estamos das repetições da vida) da sua história. Quero mais episódios e quer ser eu amigo. É pedir muito? Se melhor sala de convívio não descobrirmos, esta mesma me serve, nisto sou modesto.


    Paulo.G

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  5. "todos somos feitos de energias positivas e negativas. somos até dotados de paradoxo. só assim podemos ter a esperança de não sermos chatos. e o baltazar também tem coisas boas, por exemplo, sente um amor infinito."

    Muito kabbalístico!!ehehehe

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