3.4.09

não resisto a copiar aqui um trecho do texto que maria do rosário pedreira publicou no excelente blogtailors

«Em democracia, trinta e cinco anos depois, quando, afinal, se pode ler tudo sem a ameaça do lápis azul, lê-se exclusivamente por entretenimento, e não para saber, para pensar, para poder estar contra, para formar ideias, para entender (ou não entender) o mundo. (E nem se diga que a democracia nos dispensa deste exercício, pois a crise a que chegámos prova bem que custos pode ter a incapacidade de uma visão prospectiva.) Desapareceram dos escaparates, como aqui já foi referido por Pedro Bernardo, os ensaios, rapidamente substituídos por biografias de reis e rainhas portugueses, escritas num português sofrível por autores que cometem erros históricos de pôr os cabelos em pé. E a grande ficção – essa que atravessou os tempos com a agradável ameaça da eternidade – quase só subsiste pela curiosidade em relação ao aparecimento de novas traduções – Proust, Musil, Dostoevski, Homero –, embora esteja convencida de que quem as lê seja quem já conhecia as antigas ou leu versões amputadas ou noutras línguas dos mesmos livros. Além disso, porque pensarão as pessoas que a leitura activa não é uma excelente forma de entretenimento?

Bem sei que agora, que perdi a inocência nestas coisas e pude viajar mais, também já sei que essa grande percentagem de leitores do Reino Unido (que, curiosamente, está a diminuir pela primeira vez por causa da Internet e afins) lê, sobretudo, «trash», pelo que Portugal não faz senão herdar os tiques da globalização, embora com o atraso que lhe é típico. Bem sei que agora, que perdi a inocência nestas coisas, faço aqui o meu acto de contrição e digo que também eu publico livros que prometem vendas rápidas – mesmo procurando que tenham uma estrutura irrepreensível, não estupidifiquem os leitores e, sobretudo, não incluam linhas de pensamento redutoras – para, com esse dinheiro, poder publicar jovens que escrevem literatura séria. Bem sei que agora, com a criação do Plano Nacional de Leitura, todos os alunos – seja qual for a sua origem ou nível de ensino – têm igual acesso ao livro (e nas visitas que faço a escolas encontro sempre nas bibliotecas exemplares muito manuseados, o que é um óptimo sinal). Bem sei, para terminar, que ainda não se inventou nada melhor do que a democracia e que não estaria aqui a dar opiniões (ou a reflectir, melhor dito) se não tivesse passado por esse episódio mágico e absolutamente necessário aos 14 anos. Mas quanto mais infantilizados e incultos nos tornarmos, mais facilmente seremos dominados, tal como o fomos quando éramos maioritariamente analfabetos. Ler e dar a ler livros de qualidade não poderia então ser um dos nossos deveres para com a pátria?»


para ler na íntegra

1 comentário:

  1. «Ler e dar a ler livros de qualidade não poderia então ser um dos nossos deveres para com a pátria?»

    Seria, com certeza. É. Eu tento fazer a minha parte..com a família, os amigos, os alunos ..

    bj
    e.. ainda comentários 'censurados', VH? ;-))

    ana lima

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