25.4.09

vinte e cinco de abril

não sei se hoje somos livres, sei que quem lutou pela queda do antigo regime sonhou, talvez candidamente, que hoje viveríamos num país de pessoas livres. se tenho dúvidas - eu, um cidadão cuja consciência já se afirma em tempo de democracia -, é porque alguma coisa teima em falhar. acho até que, depois das euforias mais visíveis dos anos 80 e um pouco dos 90, se deu rapidamente lugar ao regresso dos pensamentos de alguma saudade daquilo que deveria ser inimaginável o povo voltar a defender.
como escritor não consigo conter um lado crítico que, não querendo obrigar alguém a pensar como eu, procura levar as pessoas a questionarem-se, talvez a tomarem uma posição, que é o mesmo que solicitar que participem e recusem a inércia. só pelo exercício crítico, provocado mais ou menos pelo reavivar dos temas, se pode manter a memória e esperar que os erros fulcrais do passado não voltem a ser cometidos.
o meu primeiro romance, «o nosso reino», conta a história de uma criança de oito anos que, angustiada com a questão do divino, se vê torturada num lugar de pobreza e ignorância como eram abundantemente os lugares pequenos do norte do país. a história passa-se ao tempo da revolução, ainda que esta ocorra quase sem produzir efeitos nas consciências pequenas das personagens envolvidas. interessou-me perspectivar o quotidiano de um povo resignado com a pobreza e com os dogmas da igreja, a partir dos quais podemos perceber a anestesia característica do antigo regime; essa receita cruel que promovia a pequenez para defender o poder instalado contra espíritos melhor formados.
eu gostaria de acreditar que a literatura pode ainda impressionar as pessoas ao ponto de as levar a ponderar sobre as questões e a encontrarem as suas próprias respostas. e gostaria de acreditar que os escritores, hoje, escrevem de facto aquilo que pensam, comprometendo-se com o que defendem, fazendo dos livros espaços de reflexão sobre o que fomos, o que somos e quem queremos ser.
acima do marketing e da vontade de vender muitos livros, é muito importante acreditar que ainda se escrevem os textos por uma necessidade superior de criar expressão, e que essa expressão sirva para as luzes das gentes, levando-as a reclamar uma inclusão incondicional na igualdade e na liberdade. escrever tem de ser assim, por mais que a cultura de massas sugira leveza nos assuntos e embelezamentos desresponsabilizadores e por vezes mesmo irresponsáveis. é esta a minha convicção, e por aqui me meço no mundo, como um escritor que quer ser livre, mas que tem dúvidas se o deixam ser livre, e que procura convocar nos seus textos os assuntos que lhe parecem necessitar de permanente lembrança, para que não sejamos no futuro iguais aos nossos avós no que concerne à reprodução contínua das falhas que precisamos de ultrapassar de uma vez por todas

15 comentários:

  1. tenho também as minhas modestas dúvidas sobre o uso generalizado do termo liberdade, devemos recusar a inércia mediante o acto de expressão, pertinente por ser provido de mensagem; da mesma forma tenho algumas reticências quanto a teorias da conspiração que induzem a posturas polarizadoras... é preciso estar atento, eyes wide open; kudos

    ResponderEliminar
  2. muito bem!

    bem hajas por seres escritor de liberdade.
    todos nós te agradecemos solenemente.

    beijos de flores na boca que não se cala***

    ResponderEliminar
  3. No que diz respeito a inércia todos sabemos que está na hora de se fazer algo que dignifique a postura e modo de se fazer politica, em prol daqueles que quando depositam o seu voto na urna, merecem certamente que o seu gesto tenha tudo a ver com os ideais, que á 36 anos todos ansiavam fervorosamente.

    ResponderEliminar
  4. a liberdade é um pau de dois bicos. o sistema livre é utópico porque se nega a si mesmo quando a liberdade de uns afecta a liberdade dos outros. e aqui tudo depende de que lado estamos.
    a verdadeira liberdade está dentro de nós. essa, não há ditadura ou globalização que a nos possa tirar, é a verdadeira utopia. o combustível do execício crítico.

    um abraço25
    fl

    ResponderEliminar
  5. Não me parece que hoje sejamos livres. Livres de quê? De votar de 4 em 4 anos?

    Eu vivi - intensamente - o 25 de abril, pensei que nunca, nunca mais.. e no entanto, cada vez, hoje, encontro mais pontos de contacto entre a situação que temos e os tempos da ditadura, que também os vivi..

    A literatura como força de intervenção? Não me parece, lamento.. quem são, afinal, as pessoas que lêem 'literatura'? A imensa maioria, desinformada, que não (se) questiona, e que tb vota, ficar-se-á, quando muito, pela chamada literatura light, mas sobretudo as revistas da treta, a TV, os futebóis..

    É claro que alguma semente deixas, tu, outros escritores empenhados como tu, mas temo que pequenina, pequenina.. talvez nos valham as canções 'sem eira nem beira'..

    a inércia.. não sei, parece-me quase genética. "Um povo bovino", como diz o Guerra Junqueiro, ou um ramalhete de nêsperas à espera de que alguém (não) as coma.

    O 25 de Abril, os ideais, a esperança, tudo morto. Só ressuscitando-o, mas não me parece que lá cheguemos pelas urnas..

    lamento o pessimismo..
    bj,
    al

    ResponderEliminar
  6. das coincidências...
    há dois dias fui buscar este livro à biblioteca. Era esranho vir aqui ler-te sem conhecer a tua obra. O certo é que fui busca-lo há dois dias e já vou a meio. Pelos visto, fiz a escolha acertada!

    da liberdade...
    apesar de vivermos numa apregoada democracia, não somos livres, vivemos sempre sob o jugo de quem possui o vil metal e o poder nas mãos.

    ResponderEliminar
  7. elsa ligeiro26/4/09 19:20

    pois é. a liberdade não é algo que se recebe, mas algo que se conquista - e se merece(como o amor, o poder, e mais duas que são, por enquanto, segredo)

    ResponderEliminar
  8. Livres suponho que significa entre outras coisas não suportarmos em portugal interrogatórios policiais sujeitos a tortura, certo? Mas e seu contar que ouvi um militante partidário dizer no facebook que defendia o uso dos métodos violentos de interrogatório promovidos por Bush e Cheney, em Portugal? Deixava-lhe um desafio: leia a história que relato em http://ovalordasideias.blogspot.com/2009/04/houve-ontem-quem-louvasse-o-regresso-da.html
    e depois, se achar pertinente, escreva um post com a sua opinião. Digo um post porque comentários são menos visíveis, e se concordar comigo que isto é indamissível, admitirá que é nossa obrigação dar visibilidade a isto.
    Fico a aguardar o que pensa.
    Obrigado
    Carlos Santos

    ResponderEliminar
  9. As mentes reflectem toda a insegurança que - cada vez mais -, se instala. Que consciência nos move se a própria está deslocada.

    Abraço

    ResponderEliminar
  10. Penso que nos último anos não houve 25 abril mais importante do que o de 2009! Vulgarmente são as chamadas "Crises", que geram o proteccionismo, a xenofobia e no limite uma ditadura. E existem vários casos de surgimento de ditaduras através do voto democrático! Esse é o medo que eu tenho... o medo de que pessoas com medo votem para regressarmos ao tempo da "outra senhora".

    um abraço

    Renato

    ResponderEliminar
  11. A Liberdade é intrinseca, é como uma necessidade fisiológica... nada nem ninguém a pode violar, ao fazê-lo, terá que ser punido.
    Pois a Liberdade é o lugar onde a felicidade se realiza, a que todos temos direito.

    ResponderEliminar
  12. No passado ano, ainda postava assim como se pode ver: http://psombra.blogspot.com/2008_04_01_archive.html
    Este ano, decidi nem sequer tocar no assunto, para não me foder...
    Ainda por cima logo eu, que tenho sérias dificuldade em traduzir por inteligíveis palavras o fluxo energético que me inunda o cérebro

    ResponderEliminar
  13. A liberdade continua a ser uma luta...
    No passado em Portugal, descaradamente a censura impedia a livre expressão das pessoas.
    Hoje julgo acontecer o mesmo só que de uma forma camuflada! São como aliás alguém referiu um dia, ditaduras subtis disfarçadas de democracia.

    ResponderEliminar