não sei se hoje somos livres, sei que quem lutou pela queda do antigo regime sonhou, talvez candidamente, que hoje viveríamos num país de pessoas livres. se tenho dúvidas - eu, um cidadão cuja consciência já se afirma em tempo de democracia -, é porque alguma coisa teima em falhar. acho até que, depois das euforias mais visíveis dos anos 80 e um pouco dos 90, se deu rapidamente lugar ao regresso dos pensamentos de alguma saudade daquilo que deveria ser inimaginável o povo voltar a defender.
como escritor não consigo conter um lado crítico que, não querendo obrigar alguém a pensar como eu, procura levar as pessoas a questionarem-se, talvez a tomarem uma posição, que é o mesmo que solicitar que participem e recusem a inércia. só pelo exercício crítico, provocado mais ou menos pelo reavivar dos temas, se pode manter a memória e esperar que os erros fulcrais do passado não voltem a ser cometidos.
o meu primeiro romance, «o nosso reino», conta a história de uma criança de oito anos que, angustiada com a questão do divino, se vê torturada num lugar de pobreza e ignorância como eram abundantemente os lugares pequenos do norte do país. a história passa-se ao tempo da revolução, ainda que esta ocorra quase sem produzir efeitos nas consciências pequenas das personagens envolvidas. interessou-me perspectivar o quotidiano de um povo resignado com a pobreza e com os dogmas da igreja, a partir dos quais podemos perceber a anestesia característica do antigo regime; essa receita cruel que promovia a pequenez para defender o poder instalado contra espíritos melhor formados.
eu gostaria de acreditar que a literatura pode ainda impressionar as pessoas ao ponto de as levar a ponderar sobre as questões e a encontrarem as suas próprias respostas. e gostaria de acreditar que os escritores, hoje, escrevem de facto aquilo que pensam, comprometendo-se com o que defendem, fazendo dos livros espaços de reflexão sobre o que fomos, o que somos e quem queremos ser.
acima do marketing e da vontade de vender muitos livros, é muito importante acreditar que ainda se escrevem os textos por uma necessidade superior de criar expressão, e que essa expressão sirva para as luzes das gentes, levando-as a reclamar uma inclusão incondicional na igualdade e na liberdade. escrever tem de ser assim, por mais que a cultura de massas sugira leveza nos assuntos e embelezamentos desresponsabilizadores e por vezes mesmo irresponsáveis. é esta a minha convicção, e por aqui me meço no mundo, como um escritor que quer ser livre, mas que tem dúvidas se o deixam ser livre, e que procura convocar nos seus textos os assuntos que lhe parecem necessitar de permanente lembrança, para que não sejamos no futuro iguais aos nossos avós no que concerne à reprodução contínua das falhas que precisamos de ultrapassar de uma vez por todas
tenho também as minhas modestas dúvidas sobre o uso generalizado do termo liberdade, devemos recusar a inércia mediante o acto de expressão, pertinente por ser provido de mensagem; da mesma forma tenho algumas reticências quanto a teorias da conspiração que induzem a posturas polarizadoras... é preciso estar atento, eyes wide open; kudos
ResponderEliminarmuito bem!
ResponderEliminarbem hajas por seres escritor de liberdade.
todos nós te agradecemos solenemente.
beijos de flores na boca que não se cala***
No que diz respeito a inércia todos sabemos que está na hora de se fazer algo que dignifique a postura e modo de se fazer politica, em prol daqueles que quando depositam o seu voto na urna, merecem certamente que o seu gesto tenha tudo a ver com os ideais, que á 36 anos todos ansiavam fervorosamente.
ResponderEliminaraplaudo!
ResponderEliminara liberdade é um pau de dois bicos. o sistema livre é utópico porque se nega a si mesmo quando a liberdade de uns afecta a liberdade dos outros. e aqui tudo depende de que lado estamos.
ResponderEliminara verdadeira liberdade está dentro de nós. essa, não há ditadura ou globalização que a nos possa tirar, é a verdadeira utopia. o combustível do execício crítico.
um abraço25
fl
impossível não aproveitar.
ResponderEliminar:)
Não me parece que hoje sejamos livres. Livres de quê? De votar de 4 em 4 anos?
ResponderEliminarEu vivi - intensamente - o 25 de abril, pensei que nunca, nunca mais.. e no entanto, cada vez, hoje, encontro mais pontos de contacto entre a situação que temos e os tempos da ditadura, que também os vivi..
A literatura como força de intervenção? Não me parece, lamento.. quem são, afinal, as pessoas que lêem 'literatura'? A imensa maioria, desinformada, que não (se) questiona, e que tb vota, ficar-se-á, quando muito, pela chamada literatura light, mas sobretudo as revistas da treta, a TV, os futebóis..
É claro que alguma semente deixas, tu, outros escritores empenhados como tu, mas temo que pequenina, pequenina.. talvez nos valham as canções 'sem eira nem beira'..
a inércia.. não sei, parece-me quase genética. "Um povo bovino", como diz o Guerra Junqueiro, ou um ramalhete de nêsperas à espera de que alguém (não) as coma.
O 25 de Abril, os ideais, a esperança, tudo morto. Só ressuscitando-o, mas não me parece que lá cheguemos pelas urnas..
lamento o pessimismo..
bj,
al
das coincidências...
ResponderEliminarhá dois dias fui buscar este livro à biblioteca. Era esranho vir aqui ler-te sem conhecer a tua obra. O certo é que fui busca-lo há dois dias e já vou a meio. Pelos visto, fiz a escolha acertada!
da liberdade...
apesar de vivermos numa apregoada democracia, não somos livres, vivemos sempre sob o jugo de quem possui o vil metal e o poder nas mãos.
pois é. a liberdade não é algo que se recebe, mas algo que se conquista - e se merece(como o amor, o poder, e mais duas que são, por enquanto, segredo)
ResponderEliminarLivres suponho que significa entre outras coisas não suportarmos em portugal interrogatórios policiais sujeitos a tortura, certo? Mas e seu contar que ouvi um militante partidário dizer no facebook que defendia o uso dos métodos violentos de interrogatório promovidos por Bush e Cheney, em Portugal? Deixava-lhe um desafio: leia a história que relato em http://ovalordasideias.blogspot.com/2009/04/houve-ontem-quem-louvasse-o-regresso-da.html
ResponderEliminare depois, se achar pertinente, escreva um post com a sua opinião. Digo um post porque comentários são menos visíveis, e se concordar comigo que isto é indamissível, admitirá que é nossa obrigação dar visibilidade a isto.
Fico a aguardar o que pensa.
Obrigado
Carlos Santos
As mentes reflectem toda a insegurança que - cada vez mais -, se instala. Que consciência nos move se a própria está deslocada.
ResponderEliminarAbraço
Penso que nos último anos não houve 25 abril mais importante do que o de 2009! Vulgarmente são as chamadas "Crises", que geram o proteccionismo, a xenofobia e no limite uma ditadura. E existem vários casos de surgimento de ditaduras através do voto democrático! Esse é o medo que eu tenho... o medo de que pessoas com medo votem para regressarmos ao tempo da "outra senhora".
ResponderEliminarum abraço
Renato
A Liberdade é intrinseca, é como uma necessidade fisiológica... nada nem ninguém a pode violar, ao fazê-lo, terá que ser punido.
ResponderEliminarPois a Liberdade é o lugar onde a felicidade se realiza, a que todos temos direito.
No passado ano, ainda postava assim como se pode ver: http://psombra.blogspot.com/2008_04_01_archive.html
ResponderEliminarEste ano, decidi nem sequer tocar no assunto, para não me foder...
Ainda por cima logo eu, que tenho sérias dificuldade em traduzir por inteligíveis palavras o fluxo energético que me inunda o cérebro
A liberdade continua a ser uma luta...
ResponderEliminarNo passado em Portugal, descaradamente a censura impedia a livre expressão das pessoas.
Hoje julgo acontecer o mesmo só que de uma forma camuflada! São como aliás alguém referiu um dia, ditaduras subtis disfarçadas de democracia.