4.4.07

inland empire - depois das três longas horas


ficou claro, depois do que disse ontem, que sou um admirador convicto do trabalho de lynch e que esperava de inland empire uma surpresa capaz de me animar para o cinema durante muito muito tempo. bem, só o reitero porque, depois das três longas horas do filme, me deu tal ataque de irritação que apenas um realizador muito íntimo poderia merecer-me. qualquer outro realizador que tivesse assinado este filme - talvez com a excepção de mais dois ou três nomes - teria feito com que eu me levantasse e saisse porta fora, como aconteceu com tanta gente ontem. a isto chama-se expectativa, uma fidelidade para com um criador assente na admiração profunda por tudo quanto conhecíamos dele.

inland empire é, claramente, a esclerose de lynch, o momento em que já não está interessado em contar grande coisa senão a ideia base da narrativa não lógica, não sequêncial, não real. como se o filme fosse um sonho de três horas, com muito de pesadelo, e nos devessemos deixar levar em busca de algo que nunca vai ser encontrado. laura dern - maravilhosa, divina - começa por ser uma actriz algo loira que recebe em casa uma estranha vizinha que lhe dá (acho) a possibilidade de ver o dia de amanhã. a partir daí, nunca mais sabemos com certeza em que tempo exacto estamos. e isso é dito por laura dern a dada altura. no fim do filme, e como começa a ser cliché em lynch, regressamos a essa cena inicial, com a vizinha e a sua cara sinistra, e dern com ar de quem conheceu algo que, por natureza, não deveria conhecer. a sala enche-se de prostitutas que saltam de outras partes do filme para aquela e ouve-se nina simone. enfim. o que fica pelo meio é uma quantidade de entradas e saídas por portas que mudam a realidade espaço-temporal, traições amorosas, cenas de gravação de um filme romântico, jeremy irons, prostituição, decadências várias e a boca da laura dern - a melhor invenção do homem desde a roda.

a mim parece que lynch descobriu o surrealismo e regrediu a ele. ou seja, até aqui podia surrealizar sem se afundar nos seus conceitos já tão explorados. agora parece que regrediu e se quer tornar realizador de cães andaluzes no século vinte e um. não estaria de todo mal se o filme fosse brilhante e se, talvez, demorasse noventa minutos, o bastante para entendermos o que há para entender.

o facto de este ser o seu primeiro filme inteiramente digital (e ao que parece daqui para a frente será sempre assim) ajuda a que o filme adquira um estranho ar de video, com muito grão, muita sobre-exposição, enfim, um ar de série b de televisão. não sei, até por isso, se me agrada. o que ficaria interessante num apontamento, levado ao extremo de três horas retira muita da classe estética do cinema e transforma-o num exercício caprichoso de quem pode fazer o que lhe apetece optando pela pior das hipóteses: a de desprezar o espectador oferecendo-lhe um resultado pouco sedutor importado sobretudo com dar nós em personagens - não digo dar nós na história, porque na verdade todas as histórias ali se perdem.

vejam por vocês mesmos, sejam felizes se puderem, sabem que é sempre o que vos desejo

5 comentários:

  1. Anónimo4/4/07 15:20

    que bela crítica! o lynch é incontornável, um dos filmes da minha vida é o dune, que da obra dele é o mais linear na narrativa.confesso que gosto, mas deixa me tipo floribela (um pouco confusa)
    ansiosa por sexta-feira-pouco-santa*
    muitos beijos, meu amor*
    inês subtil

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  2. Apenas para desejar uma Boa Páscoa

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  3. Pois é banhoso! Então querias escrever poemazinhos de caca para o Praça e depois perceber um filme do Lynch??? pfff...parolão.
    Achei piada ao comentário de cima, que cita o Dune, que foi o único filme que Lynch fez por encomenda, estilo tarefeiro. Lynch entregou uma primeira versão ao estúdio que foi rejeitada, e depois desistiu do projecto. A montagem final foi feita pelos produtores, e Lynch chegou a exigir que o seu nome fosse retirado dos créditos. É considerado unanimemente o pior filme da sua carreira.
    A encomenda vai no fim de semana. Beijocas.

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  4. eu não te tinha dito que ao Lynch nunca se regressa?? pelo menos, se vamos com a ideia de regressar, acabamos é Lynchados LOL

    E já agora, porque é que não saiste? Porque não saiste logo, defraudado que te estavas a sentir nas tuas expectativas (confessa lá que te sentiste defraudado! tb já me aconteceu!)??? Porque ficaste a teimar que aquilo devia ter um sentido qualquer? Porque é que temos que ser nós a dar um sentido ao que os outros não conseguiram?? Eu sei, a tramada "teoria da recepção"... mas caramba, tão radical?????

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  5. apenas concordo em parte com a tua crítica... só a li neste momento, após ter visto o filme ontem -tenho o péssimo hábito de tentar, na medida do possível, ir em "branco" ver cinema- sim, inland empire goza daquela impunidade característica do universo da curta metragem, bem como de ser obra de autor de créditos inconstetados... mas é bom ter alguém que se dê ao luxo de ser um pouco autista... inland empire é um objecto de imersão, sensorial, denso, caótico, senti-o como que se me aproximasse de um objecto estranho, de uma instalação... sim não é bem catalogável como "cinema", é arte, estado puro (desculpem este cliché)... daqui a uns meses vou revê-lo, devias também;

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